Animus Domini e IPTU: a responsabilidade é da incorporadora?

animus domini

O setor da construção civil tem grande responsabilidade pela criação de empregos e geração de riqueza ao país. Sabemos que quando uma crise impacta os segmentos econômicos do Brasil, o primeiro a ruir é o da construção civil. Este sente todos os efeitos da perda do poder de compra do consumidor brasileiro, que é obrigado a abrir mão do sonho da casa própria.

As empresas que exercem atividade de incorporação imobiliária vertical, ou seja, edifícios para alienação das unidades (apartamentos ou salas comerciais), suportam todo ônus da construção. Isso inclui pagamento de impostos sobre serviços prestados ou tomados, bem como das taxas para emissão de alvará, vistoria e eventual alteração no projeto. Isso sem mencionar o inadimplemento contratual dos adquirentes, que muitas vezes pactuam contrato de compra e venda antes mesmo de terminadas as obras. Dessa forma, dilatam o período do parcelamento, diminuindo o valor dos pagamentos.

 Cobrança do IPTU

Além de lidar com a insegurança jurídica das relações contratuais, o incorporador, mesmo após entregar as unidades, é constantemente obrigado a realizar o pagamento do IPTU. Ou seja, a incorporadora vende as unidades e realiza todo procedimento para a expedição do “habite-se” para a entrega do apartamento dentro do prazo estabelecido. No entanto, ainda pode vir a ser responsável pelo pagamento do IPTU deste apartamento em posse do adquirente.

Isso porque a legislação tributária define que o contribuinte do IPTU é o proprietário, possuidor a qualquer título ou titular de seu domínio útil. Desse modo, enquanto não houver transferência na matrícula, a incorporadora permanece como proprietária, como determina o Código Civil. Mesmo que posse e o domínio útil sejam exercidos pelo adquirente.

É comum a incorporadora ser cobrada e ter valores bloqueados devido ao não pagamento de IPTU de um imóvel alienado há mais de 10 anos. Isso porque nossos tribunais costumavam ter uma visão objetiva da situação: enquanto a matrícula estiver em nome da incorporadora, ela é responsável pelo pagamento. Desse modo, é devedora inscrita em dívida ativa e sujeito passivo da Execução Fiscal.

Porém, atualmente discute-se a possibilidade de repassar os custos de IPTU suportados pelo incorporador ao adquirente relativos a unidades compromissadas à venda.

Até alguns anos atrás, os Tribunais não flexibilizavam a orientação do Superior Tribunal de Justiça no sentido de que o promitente vendedor e o compromissário comprador podem figurar no polo passivo da execução fiscal, de maneira que, ainda que comprovada a venda e posse de terceiro sobre o imóvel, enquanto o vendedor estiver indicado na matrícula como proprietário, será este o contribuinte do IPTU.                    

Não há dúvidas de que esse comportamento do judiciário apenas inibe o investimento no setor. Já que todo planejamento de custo do empreendimento pode ir por água abaixo se o consumidor não realizar a transferência da matrícula, ou não pagar o IPTU.

Animus Domini

No entanto, o Superior Tribunal de Justiça, recentemente, tornou menos rígida a sua orientação ao considerar a não aplicação daquele entendimento ante as peculiaridades do caso concreto. Traduzindo, a Corte Superior entende que não somente a informação contida na matrícula tem o poder de transferir o imóvel, mas também o compromisso de compra e venda, após devidamente quitado, e comprovada a posse com animus domini exercida pelo adquirente.

A expressão em latim animus domini traduz-se na intenção de agir como dono. Portanto, se constatado que o imóvel encontra-se na posse de terceiro, e agindo este como dono, o entendimento mais correto é de que este deve figurar como sujeito passivo da obrigação tributária de IPTU.

Principalmente no Estado de São Paulo, os Magistrados têm afastado a responsabilidade do pagamento de IPTU pelos promitentes vendedores, normalmente empresas da construção civil e incorporação imobiliária. Isso porque, muitas vezes, apesar do promitente comprador não figurar na matrícula do imóvel como proprietário, ele exerce todos os direitos inerentes à propriedade (uso, gozo, disposição da coisa e direito de reavê-la de quem injustamente a possua) quando está na posse com a intenção de ser dono, “animus domini”.

Ou seja, no caso de um apartamento, o adquirente poderá alugar o imóvel e perceber os frutos desta operação. Além de acionar a justiça caso a sua posse seja turbada por terceiros. Cumprindo, assim, todos os direito intrínsecos à propriedade. Por outro lado, o alienante apenas formalmente exerce a propriedade, sequer tendo acesso físico ao imóvel compromissado à venda.

Desse modo, é aceitável juridicamente o afastamento da responsabilidade do vendedor sobre o pagamento do IPTU incidente sobre imóvel já em posse do comprador. Desde que presente peculiaridades demonstrem que todos os direitos inerentes à propriedade são por ele exercidos.