Direitos indígenas: um breve caminhar sobre a legislação

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Revisitar a história que marca a consolidação dos direitos indígenas é uma boa forma de analisar a situação destes povos no presente.

Caminhando por entre a história dos direitos indígenas

A história contada sempre precisa de um ponto de partida. Acreditar, porém, que a história dessa nação se inicia com a chegada dos portugueses em 1500, é a narrativa insustentável que nega as raízes mais densas de nossa cultura. Muito antes de Pessoa cruzar o Bojador em seus versos, Guaranis, Timbiras, Atroaris e Guanás já escreviam nesse solo.

Essa gente é boa e de bom coração”, escreveu Caminha certamente não sem motivo. Isso, contudo, não impediu que os nativos fossem considerados seres desprovidos de alma até 1537. Foi quando o Papa Paulo III reconheceu vestígios de sua humanidade. Tampouco impediu que a população original de 5 milhões de habitantes fosse reduzida a 1 milhão.

Quando ainda batizada de Terra Cruz, essa casa abrigou a injustiça das chamadas guerras justas. A partir delas, eram reconhecidos brevemente os direitos indígenas enquanto preestabeleciam condições para sua escravidão, documentadas na Carta Régia de 09 de abril 1655. Não foi, contudo, a única tentativa paradoxal de justiça. Outras leis outorgadas, como a chamada Lei Pombalina de 1755, garantiam a demarcação de terras através de um idioma a eles completamente desconhecido, tornando impossível sua interpretação. A inacessibilidade do direito aos seus possuidores, não é, definitivamente, inédita ao homem deste século.

Os novos horizontes desenhados em meio a Revolução Francesa (1789-1799) atravessaram o atlântico para aportar em solos nacionais. Do ponto de vista imperialista, a ideia da coexistência de nações distintas em um mesmo lugar não bem vista. Assim, em 1823 o pensamento de que os índios não eram brasileiros no sentido político ganhou força entre os constituintes. Ironicamente, o deputado autor do projeto carregava o nome de Montesuma, muito semelhante ao líder asteca, histórico na defesa de suas terras latinas contra os colonizadores.

O início da virada

A passos lentos, caminhamos. Em 1850, a Lei Imperial nº 601 foi a primeira legislação a abarcar as terras de aldeamentos. Este era um avanço pela silenciosa Constituição Republicana de 1891. Ainda assim, os massacres dizimaram tribos inteiras, até 1910, quando Marechal Rondon deu início ao Serviço de Proteção ao índio (SPI), o que deu rosto e nome à luta de reconhecimento dessa parcela populacional que não devia e nem poderia ser confundida com qualquer outra.

A Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil, datada de 1934, em seu artigo 129, trouxe à luz seu direito à terra. No texto, ressalvava a sua alienabilidade, acompanhado pelas Constituições seguintes em 1937 e 1946. Todas com o forte rastro de projetos integracionistas e incorporação da cultura tida como civilizada. Séculos depois, as palavras de Caminha ainda sussurravam nos ouvidos legislativos: “E em tal maneira é graciosa que, querendo-a aproveitar, dar-se-á nela tudo por bem das águas que tem, porém o melhor fruto que nela se pode fazer me parece que será salvar esta gente”.

Merecem destaque, contudo, a Constituição de 1967 e a Emenda Constitucional de 1969. Com elas, foi concedido o direito ao usufruto exclusivo de toda riqueza natural existente nas demarcações. Além disso, também foi prevista a nulidade dos atos praticados visando a alienação destas. Já em 1973 o Estatuto do Índio foi, finalmente, formulado, trazendo novidades como a proteção ao multiculturalismo e a separação das terras indígenas em categorias: reserva, Parque Indígena, Colônia Agrícola Indígena e Território Federal Indígena. O Estatuto trazia em si pontos de diálogo entre culturas, como a possibilidade de escolha livre para o uso do solo demarcado, abrindo possibilidade de discussão a respeito do aceite das atividades de mineração.

Convite a uma breve reflexão

A mais jovem constituição, datada de 1988, foi marcada pela pressão em busca de representatividade. Nenhum candidato indígena foi eleito, porém a visibilidade alcançada assegurou que pela primeira vez o texto Constitucional resguardasse um capítulo exclusivo para esse fim. Foram então reconhecidos como originários habitantes e portadores de direitos únicos.

Esse cenário abrigou também um novo ânimo para a voz política. As comunidades passaram a integrar manifestações e protagonizar a luta por seus direitos. Foi em 1989 que o Brasil, participando da 169ª Convenção da Organização Internacional do Trabalho (OIT), reconheceu a proteção com participação expressiva e respeito à integridade da comunidade indígena, através de medidas que promovam a plena efetividade dos direitos sociais.

A ONU também abraçou essa luta, em setembro de 2007, ao publicar a Declaração Universal dos Direitos dos Povos Indígenas, contemplando pontos relevantes como a autodeterminação, o autogoverno e a expressão livre de sua cultura. No Brasil, a violação é constante. Terras invadidas, massacres indígenas e uma forte oposição às demarcações são assuntos corriqueiros nos debates dessa temática.

Ao que parece, lutar pelo direito básico à sua própria existência e terra é norte constante e intransponível aos povos indígenas. A forte agitação política que há algum tempo toma o cenário nacional faz crescer os questionamentos a respeito da legitimidade e da posse, e a globalização torna a singularidade de um povo cada vez mais rara. Enquanto esse século carrega todas a inquietações e debates pela expansão das liberdades individuais, cabe, em datas como essa, uma breve reflexão pelo direito de ser o que se é. Adorar o deus que lhe cabe, vestir o que lhe convém, comer o que lhe apetece, abraçar o ritual que lhe conforta; o direito, muitas vezes negligenciado, de ser um indivíduo singular, diferente e resistente, num mundo que a todos comporta.