O novo marco legal do saneamento e a retomada do crescimento econômico brasileiro no pós-pandemia

Segundo os dados disponibilizados pelo Instituto Trata Brasil, 48% da população não tem coleta de esgoto, mais de 35 milhões de brasileiros não têm acesso à água tratada e mais de 1,5 milhão de piscinas olímpicas de esgoto foram lançadas ao meio ambiente no Brasil desde 1º de janeiro de 2019.

De acordo com informações divulgadas pela ABRELPE (Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais), em 2018, foram gerados 79 milhões de toneladas de resíduos sólidos no Brasil. Deste montante, 92% foi coletado, sendo que 59,5% receberam destinação adequada em aterros sanitários. O restante, 40,5%, foi despejado por 3 mil municípios em locais inadequados.

Esse cenário estarrecedor é responsável por importantes impactos ambientais, econômicos e na saúde pública que freiam o desenvolvimento do país e atingem diretamente milhões de brasileiros. Em tempos de pandemia do novo coronavírus, tudo isso significa que uma parcela relevante da população não tem condições de realizar rotinas básicas de higiene, essenciais para que se evite a propagação da doença. 

No intuito de virar essa página, o Senado Federal aprovou o projeto de lei que estabelece o novo marco legal do saneamento básico, que foi sancionado com vetos no último 15 de julho, o qual possibilitará novos investimentos na área com maior abertura à iniciativa privada de um dos setores de maior atraso da infraestrutura nacional e o estabelecimento de metas para a universalização do serviço, além da geração de empregos e ganhos importantes para a saúde da população.

A Lei Ordinária sancionada, nº 14.026/2020, que atualiza o marco legal do saneamento básico, altera leis relacionadas à criação da Agência Nacional de Águas, das Normas Gerais de Contratação de Consórcios Públicos, das Diretrizes Nacionais para o Saneamento Básico, da Política Nacional de Resíduos Sólidos e do Estatuto da Metrópole e Lei que dispõe sobre participação da União em fundo de apoio à estruturação e ao desenvolvimento de projetos de concessões e parcerias público-privadas.

Segundo a nova lei, a Agência Nacional das Águas (ANA) terá  competência para editar normas de referência nacional para a regulação dos serviços de saneamento básico sobre a qualidade e eficiência na prestação, na manutenção e na operação dos sistemas de saneamento básico; a regulação tarifária dos serviços públicos de saneamento básico; a padronização dos contratos de prestação de serviços públicos de saneamento básico; a redução progressiva e controle da perda de água.

Dentre as inovações trazidas, foi prevista a possibilidade de criação de grupos ou blocos de municípios, formando uma autarquia intermunicipal que poderá contratar os serviços de forma coletiva. A lei exige ainda que os municípios e os blocos de municípios implementem planos de saneamento básico.

O novo marco do saneamento básico determina ainda que os contratos de concessão deverão conter cláusulas essenciais, dentre as quais as seguintes metas: expansão dos serviços; redução de perdas na distribuição de água tratada; qualidade na prestação dos serviços; eficiência e uso racional da água, da energia e de outros recursos naturais; reutilização de efluentes sanitários e aproveitamento de águas de chuva.

Também foram estipuladas importantes metas de universalização: até o final de 2033 deverá haver cobertura de 99% para o fornecimento de água potável e de 90% para coleta e tratamento de esgoto. Além disso, outros objetivos deverão ser cumpridos, tais como a não interrupção dos serviços, a redução de perdas e melhoria nos processos de tratamento.

Enquanto órgão regulador, a Agência Nacional de Águas (ANA) observará, periodicamente, o cumprimento das metas. As empresas que estiverem fora do padrão poderão sofrer sanções do órgão federal.

O projeto estende os prazos da Política Nacional de Resíduos Sólidos (Lei 12.305, de 2010) para que as cidades encerrem os lixões a céu aberto. O prazo agora vai do ano​ de 2021 (era até 2018), para capitais e suas regiões metropolitanas, até o ano de 2024 (era até 2021), para municípios com menos de 50 mil habitantes.

Sem prejuízo do importante passo dado, é essencial destacar que um dos trechos vetados pelo Presidente poderá ensejar forte debate no Congresso Nacional. O texto aprovado pelo Senado previa a possibilidade de renovação do modelo adotado hoje, consubstanciado em contratos de programa, sem licitação, até 31 de março de 2022, com prazo máximo de vigência de 30 anos. 

É por meio desses contratos que as cidades fazem acordos direto com empresas estaduais de água e esgoto e a inserção dessa possibilidade no projeto de lei foi fruto de acordo entre o Congresso e Governadores.

Contudo, o governo federal alegou que tal prazo é demasiado e acaba postergando soluções importantes para o setor, o que acarretou o veto deste trecho, extinguindo-se esse modelo e transformando-o em contrato de concessão, com a concorrência de empresas privadas em condições de igualdade com estatais.

A Constituição Federal determina que os vetos presidenciais sejam apreciados pelos parlamentares em sessão conjunta, sendo necessária a maioria absoluta dos votos de Deputados e Senadores para sua rejeição. O veto não apreciado, após 30 dias do seu recebimento, é incluído automaticamente na pauta do Congresso Nacional, sobrestando as demais deliberações até que seja ultimada sua votação.

Dada a forte reação provocada nos Senadores com o veto à possibilidade de renovação de contratos de programa sem licitação, será necessário aguardar a decisão do Congresso Nacional quanto a sua rejeição, para que se tenha, em definitivo, o desenho completo do novo marco legal do saneamento.

No entanto, independentemente da manutenção ou não dos vetos presidenciais, é certo que o Novo Marco Legal do Saneamento Básico é fundamental para auxiliar a retomada do crescimento econômico brasileiro na pós-pandemia e há uma expectativa do governo federal de que sejam injetados no setor, nos próximos anos, a vultosa quantia de R$800 bilhões. 

A nova lei cria fortes expectativas de que problemas acumulados por décadas possam começar a ser resolvidos de maneira mais abrangente, propõe um choque de eficiência nas diversas empresas estatais do saneamento e dá segurança jurídica ao investidor da iniciativa privada para que ele atue no setor. Isso poderá expandir de maneira satisfatória a prestação de serviços, dando condições de acesso a água e esgoto a toda população.