O IOF e as transferências de valores entre empresas do mesmo grupo

Artigo IOF

Os contribuintes – em especial empresas que atuam em grupo econômico – devem ficar atentos sempre que se depararem com cobranças de IOF incidentes sobre operações ocorridas entre empresas de um mesmo grupo econômico. Isso porque, em boa parte das vezes, se tratam apenas de ajustes negociais e não operações de crédito (empréstimos) passíveis de incidência de IOF. Mas por que?

O intuito do IOF

O imposto sobre operações financeiras – IOF, é um imposto federal cuja incidência mais comum reside em movimentações de capital relativas a crédito, câmbio e seguros. Ele tem como intuito ser um regulador da economia nacional. Assim, pode sofrer alterações em seu funcionamento e alíquotas a qualquer instante, sem precisar de aprovação em votações no Congresso Nacional.

Portanto, é assim que o valor de IOF cobrado em cada uma dessas e outras operações financeiras é visto pelo Poder Público: como um recolhimento proporcional dos investimentos. Assim, é utilizado pelos entes como forma de conhecimento da demanda e oferta de crédito no mercado. Deste modo, as altas ofertas de crédito remetem normalmente a uma economia saudável, objetivo de todo e qualquer governante e da própria população.

Existem inúmeras tentativa de alcançar essas metas financeiras estabelecidas para regulação de mercado. Nessas situações, é muito comum que os contribuintes sofram cobranças automáticas e indevidas em qualquer tipo de transferência monetária. E muitas vezes, não há a devida apreciação da natureza jurídica dessas operações para se apurar se passíveis ou não de gerar cobranças de IOF.

Para os grupos econômicos

Para empresas que atuam em grupo econômico, apesar de serem praticadas atividades de forma individualizada e independente, é possível que sejam mantidas operações negociais entre si. Isso pode acontecer com operações em comum, a exemplo da contabilidade. Ela pode ser compartilhada pelo grupo de forma única, mas com controles auxiliares individuais a cada uma delas e às suas operações.

Nesses casos, é muito comum que ocorram cobranças indevidas do IOF pela Receita Federal do Brasil em relação às transferências de recursos entre empresas do mesmo grupo. Estas podem advir de um contrato de mútuo financeiro (empréstimos), onde de fato há a incidência do imposto. Por outro lado, as incidências podem se fundamentar em um contrato de compartilhamento de gestão, conta corrente, ou custos, no qual não há a incidência do tributo.

Diferenças entre operações

Para entender o porquê do mútuo ensejar a incidência do IOF e os contratos de gestão/conta corrente, não é pertinente demonstrar as diferenças em relação à natureza de ambas as operações.

O mútuo consiste em permitir a utilização temporária da coisa fungível (substituível) pelo mutuário com obrigação de restituí-la. Um empréstimo de capital havido entre as empresas coligadas é um bom exemplo de mútuo. Por outro lado, o contrato de gestão ou conta corrente consiste na organização de uma relação econômica continuativa entre duas ou mais partes que realizam entre si uma pluralidade de operações. Isso dá origem a fluxos financeiros recíprocos, de tal modo que só no encerramento da conta se faça a sua liquidação financeira pela diferença.

Além disso, no mútuo existe uma rigorosa predeterminação. Isso acontece tanto da identidade do credor e do devedor quanto do valor a restituir ao final da transação. No contrato de conta corrente ou gestão financeira, por outro lado, não existe predeterminação nem de quem é credor ou devedor. Isso porque, sendo o crédito apenas exigível por ocasião do encerramento da conta, a posição ativa ou passiva na relação jurídica dependerá do resultado do saldo  existente entre as partes.

Obrigatoriedade de contraprestação futura

Não há dúvidas de que é imprescindível que o mutuário restitua ao mutuante o que dele recebeu. Isto deve ser feito em coisa do mesmo gênero, qualidade e quantidade para caracterização do contrato de mútuo. É o que prevê o artigo 586 do Código Civil. Isso significa que, para que haja o mútuo, há obrigatoriedade da contraprestação futura. Esta deve ser baseada na confiança de que a restituição do objeto ocorrerá nos termos em que originalmente prestado. Já no contrato de gestão não há essa exigência. Nesse tipo de contrato, não se verifica qualquer obrigatoriedade de contraprestação futura, o que descaracteriza de plano a existência de mútuo na relação.

De fato, a causa da operação mantida com as empresas de um mesmo grupo, firmadas com base em contrato de conta corrente contábil ou gestão financeira, não reside na confiança que uma sociedade tem no cumprimento da promessa de devolução do valor com acréscimos. Isto normalmente ocorre em uma operação de crédito. A causa que enseja a realização da referida operação é a obrigação de cooperação, com um fim útil, que é justamente o de realizar os negócios.

Diante da evidente distinção entre contrato de conta corrente ou gestão financeira e o contrato de mútuo, não há como conceber que a Receita Federal do Brasil afirme, como tem feito com diversos contribuintes, que todas as movimentações realizadas pelas empresas de um grupo econômico nessa situação referem-se à apuração de mútuo entre as partes e, consequentemente, faça incidir o IOF.

A legislação do IOF

Isso porque, de fato, a legislação do IOF prevê a incidência do tributo apenas nas operações relativas à mútuo. Além disso, é vedada por lei a cobrança de imposto que não tenha sido instituído por lei (princípio da legalidade tributária). Portanto, não há que se falar na sua cobrança sobre operações relativas a contratos de conta corrente ou gestão.

Por isso, empresas coligadas e demais contribuintes que realizem contrato de conta corrente ou gestão financeira devem ficar atentos. Meras movimentações financeiras entre as empresas mediante tais contratos não podem gerar a incidência de imposto. Isso somente ocorreria se houvessem, comprovadamente, transações relativas a mútuo entre as partes.

Marina Chaves –  Advogada da área tributária do LJD – https://www.linkedin.com/in/marina-chaves-0746585b/