Em um cenário de crescente complexidade nas relações privadas, a busca por mecanismos céleres, seguros e extrajudiciais ganhou força. Foi nesse contexto que a Corregedoria Nacional de Justiça editou o Provimento nº 197/2025, regulamentando o § 1º do art. 7º‑A da Lei nº 8.935/94 e consolidando a conta notarial vinculada como instrumento inovador para a gestão fiduciária de valores em negócios jurídicos privados, entrando em vigor em 13 de junho de 2025.
Ao redistribuir atribuições antes concentradas no Judiciário e no sistema bancário tradicional, o provimento representa um marco na modernização e desjudicialização das relações patrimoniais, reposicionando o notário como um agente estratégico de segurança jurídica.
Mais do que uma inovação procedimental, a conta notarial vinculada confere ao tabelião de notas a função fiduciária de receber, custodiar e administrar valores vinculados a negócios jurídicos privados, dentro dos limites contratuais estabelecidos pelas partes.
Com isso, o notário atua como gestor da fé pública, garantindo segurança aos fluxos patrimoniais privados e assumindo novos deveres e responsabilidades. A atuação é pautada por: (i) verificação objetiva de condições negociais; (ii) neutralidade funcional; e (iii) rigor técnico na gestão e movimentação condicionada de valores.
Como mencionado anteriormente, a fundação normativa da prestação de serviço de conta notarial encontra-se no artigo 7º-A da Lei 8.935/94, que inovou ao prever a possibilidade de arrecadação ou depósito de valores por notários e registradores, desde que estejam no exercício da sua função. No entanto, cabe ainda a Corregedoria Nacional da Justiça a regulamentar os procedimentos para o depósito, a administração e a movimentação condicionada desses valores.
Dessa forma, entende-se que o provimento 197/25 disciplina de forma minuciosa os seguintes pontos: (i) definição e estrutura da conta notarial; (ii) hipóteses em que é possível seu cabimento; (iii) requisitos documentais e procedimentais para a prestação; (iv) critérios para movimentação condicionada dos valores; (v) vedação e limites objetivos da atuação notarial; (vi) deveres de sigilo, e prestação de contas e responsabilidade.
Com essa regulamentação, o CNJ reafirma a autoridade normativa da Corregedoria Nacional da Justiça de forma extrajudicial e ressalta o papel do tabelião de notas como um garantidor institucional da confiança, operando em favor da boa-fé objetiva, publicidade, imparcialidade e segurança jurídica nos fluxos patrimoniais privados.
Na prática, a estrutura revelada pelo provimento aborda um serviço de guarda condicionada de valores, com uma gestão estritamente limitada à verificação objetiva de eventos negociais. Isso a assemelha a uma obrigação fiduciária especial, onde o tabelião atua como depositário, mas vinculado a parâmetros contratuais, legais e funcionais que o impedem de fazer qualquer juízo de valor sobre o mérito do negócio jurídico.
É crucial entender a diferença em relação ao depósito bancário tradicional. No depósito bancário, existe uma obrigação de restituição incondicional do valor. Já a Conta Notarial Vinculada é um modelo de custódia condicionada, onde o notário tem a função de verificar formalmente o cumprimento de condições, sem atuar como parte do negócio.
Para evitar qualquer dúvida, o provimento especificou que a conta deve ser vinculada a instituições financeiras conveniadas pelo Colégio Notarial do Brasil. É expressamente vedada a utilização de instituições fora desse convênio. Assim, a movimentação financeira só ocorrerá por parte do tabelião para implementar as condições objetivas pactuadas entre as partes, que deverão estar devidamente registradas e arquivadas.
Conforme mencionado no provimento, a estrutura da conta vinculada terá os três pilares fundamenteis: (i) formalidade documental e arquivamento rigorosos, devendo conter requerimento das partes, certidões obrigatórias e registro eletrônico no sistema do CNB/CF; (ii) movimentação condicionada, sendo exclusiva a verificação de fatos objetivos, como por exemplo: pagamento de sinal, liberação de financiamento etc.; (iii) neutralidade funcional do tabelião que apenas irá certificar o adimplemento ou frustação do negócio.
O provimento também atribui o papel do tabelião de notas, exigindo uma atuação pautada por rigor técnico, neutralidade e estrita vinculação à legalidade. Dessa forma, o exercício de sua função é condicionado ao cumprimento dos seguintes fundamentos operacionais: (i) dever de orientação e transparência; (ii) dever de qualificação e diligência; (iii) dever de arquivamento e registro; (iv) dever de verificação objetiva; (v) dever de recusa em hipóteses legalmente tipificadas.
O Provimento nº 197/2025 também detalha a remuneração do tabelião, que deverá ser feita exclusivamente pela instituição financeira conveniada (Art. 11). O Art. 12, por sua vez, estabelece a expressa responsabilidade civil, administrativa e criminal do notário pelos atos praticados na gestão da conta, exigindo diligência e controle sistemático sobre cada operação.
Embora o provimento represente um grande avanço e modernização na atividade notarial como instrumento de desjudicialização e segurança jurídica, sua implementação ainda suscitará questões práticas, normativas e interpretativas que precisarão ser analisadas com cautela.
Em sua conformação, a Conta Notarial Vinculada se aproxima de um modelo de custódia de fé pública, com características próprias que a diferenciam tanto do depósito voluntário do Código Civil quanto dos serviços bancários fiduciários. Trata-se de um instituto inovador que cria uma interseção entre a função pública notarial e a função privada de segurança negocial, consolidando o tabelião como um protagonista na prevenção de litígios patrimoniais e na estabilidade das relações privadas.